Fortalecendo a saúde mental dos brasileiros através da Sophia — Estudo de caso UX/UI

Como utilizamos UX Design para entender as barreiras que impedem a procura de tratamentos para saúde mental e para fomentar essa prática em todo território nacional.

João Vitor Fatoretto
11 min readMay 15, 2021

Desafio

Saúde mental ainda é um tema negligenciado por grande parte da população, em um país em que 1 a cada 2 brasileiros já pensaram em tirar a própria vida. Em meio a um cenário que já era caótico e se intensifica dia após dia com uma pandemia a nível global, nosso time, composto por:

decidiu aceitar o seguinte desafio:

Fortalecer a saúde mental dos brasileiros utilizando UX Design

Entendendo o problema

De acordo com a OMS, o Brasil é o país mais ansioso do mundo e, para piorar, houve um aumento de 80% desses casos só durante a pandemia e outro aumento de 50% nos casos de depressão. Isto é, um total de quase 20 milhões de brasileiros com transtorno de ansiedade e mais de 12 milhões com depressão. Além disso, em média, 24% dos casos de ansiedade evoluirão para depressão, o que torna o quadro ainda mais grave.

O cenário é preocupante, sem previsão de melhora. Nesse caos, os psicólogos se apresentam como os principais agentes para o tratamento desses casos, entretanto, ainda existem barreiras que impedem a melhora da situação.

Objetivo do projeto

Nosso objetivo é entender as barreiras que dificultam que o brasileiro cuide da sua saúde mental e realize os tratamentos necessários e, assim, criar uma solução para contorná-las.

Antes de ganhar escalabilidade, o foco será garantir a melhor solução para o problema dos usuários com o menor esforço. Portanto, trabalharemos com um número reduzido de usuários, usando duas metas principais (baseadas no framework H.E.A.R.T.):

  • Satisfação: atingir NPS maior que 75 (zona excelência) nos 6 primeiros meses;
  • Retenção: ter pelo menos 60% dos usuários ativos (usuários que fazem sessões recorrentes) nos 6 primeiros meses.

Após o estágio de validação inicial, direcionaremos nossas metas para escalar a solução, ou seja, focaremos principalmente em número de usuários.

Criando empatia

Para entender mais a fundo quem e como são essas pessoas, construímos três protopersonas, baseadas em nossa pesquisa de mesa. Elas nos serviram como guia para conduzir nossas pesquisas, estruturada na forma de uma matriz CSD para cada uma, o que nos ajudou a validar nossas suposições e entender quais realmente eram as dores dos usuários. Nossas principais suposições e duvidas iniciais foram:

Principais suposições e dúvidas da nossa matriz CSD

Pesquisa quantitativa

Criamos dois formulários, um para pacientes e um para psicólogos, baseando as perguntas nas hipóteses e dúvidas mais relevantes da nossa matriz CSD. O questionário voltado aos pacientes com quase 250 respostas nos ajudou a entender mais sobre os usuários.

Confira o dashboard interativo feito no Google Data Studio🡭.

Pacientes

Dados que invalidam algumas das nossa hipóteses iniciais

O homem contemporâneo dá mais importância do que pensávamos à sua saúde mental. Apesar disso, referindo-se a homens que afirmaram não ir ao psicólogo porque não precisam — o estereótipo de homem de nossas protopersonas -, apenas 4% deles disseram que nunca pensaram em tirar a própria vida. Esse valor contrasta muito com a totalidade da pesquisa, na qual mais de 55% afirmaram já ter pensado em suicídio. Nossa conclusão é que eles não querem e acreditam que não precisam da ajuda desses profissionais e, consequentemente, da nossa.

Dados relevantes de todos os participantes

Por outro lado, a pesquisa não só nos ajudou a termos certeza de que algumas suposições eram válidas, como também nos trouxe novos insights de como poderíamos resolver o desafio:

Dados que trouxeram novas oportunidades para explorarmos

Esses dados, especialmente os dois últimos, nos trouxeram várias indagações para investigarmos mais a fundo, já que sabemos que geralmente

há discrepância entre o que as pessoas falam e o que elas realmente pensam, sentem e como agem.

Psicólogos

A pesquisa quantitativa com os psicólogos, apesar de não tão expressiva quanto a parte qualitativa, nos deu alguns direcionamentos do que poderíamos explorar:

Dados importantes sobre a pesquisa com psicólogos
  • Será que o “online” ainda é um problema?
  • Como e porquê esses problemas relacionados aos espaços virtuais acontecem?
  • Como esses profissionais conseguem novos clientes?

Pesquisa qualitativa

Fizemos entrevistas de empatia para aprofundar nos porquês e nos sentimentos relacionados a alguns dos pontos levantados nas pesquisas quantitativas.

Para elaborar os roteiros das entrevistas, atrelamos cada um dos pontos que gostaríamos de entender melhor a uma pergunta aberta com observações do que deveria ser aprofundado, como e porquê.

Trecho retirado do roteiro de entrevistas do paciente

Acesse o roteiro de pesquisa completo🡭.

Após realizarmos mais de 20 entrevistas, pudemos observar padrões que nos elucidaram pontos chave para a continuação do projeto:

Pacientes

  1. O problema financeiro não era tão financeiro assim.
    Existem várias iniciativas populares e alternativas baratas pra quem não pode pagar. O que acontece é que na maioria das vezes as pessoas não encontram um psicólogo que gostem, se sintam à vontade e confiam nesses lugares. Aqueles quase 10% das pesquisas quantitativas se mostraram bem mais expressivos do que pareciam.
  2. As pessoas querem resultados rápidos.
    Quando finalmente encontram um bom profissional, a maioria delas para após sentirem uma leve melhora. Consequentemente, as crises voltam, gerando um ciclo vicioso.
  3. Terapia online é uma alternativa.
    Muitas pessoas que começaram a fazer terapia online se sentiram mais confortáveis por estarem em um ambiente pessoal atrás de suas telas, assim, se sentem mais seguras para falar de seus problemas.

Psicólogos

  1. Ainda querem um ambiente presencial.
    Os psicólogos na verdade têm bastante facilidade com atendimentos virtuais e veem muitas vantagens nisso, mas ainda pensam que é importante ter um ambiente presencial.
  2. A captação de clientes é um problema.
    Os psicólogos conquistam clientes pelo boca a boca e pelo convênio; o primeiro é um processo lento e o segundo não dá um bom lucro.

Personas e Jornadas

Para assimilarmos e alinharmos essas novas descobertas como time, redesenhamos as personas e suas respectivas jornadas:

Persona 1
Mapa de jornada de usuário para a persona 1

Veja as personas e o mapa de jornada do usuário completo🡭.

Ideação

Com as personas e jornadas validadas em mãos, utilizamos o “como poderíamos” para fazermos a ponte entre os nossos aprendizados e a geração de ideias. Reescrevemos cada um dos pontos principais utilizando o framework em post-its virtuais e os priorizamos em uma matriz de impacto Vs esforço utilizando o Miro.

Matriz de impacto vs esforço

Identificamos pela matriz o que era mais relevante para o usuário, para o negócio e o que precisaria de menos esforço.

Selecionamos os principais “como poderíamos” e usamos para gerar as ideias de solução, separando um único foco principal e pontos importantes para complementá-lo, seguido de pontos secundários, mas ainda relevantes para a experiência como um todo.

“Como poderíamos” priorizado

Para cada um desses pontos, geramos várias ideias de solução individualmente e também em grupo, utilizando 4 constraints: soluções que poderíamos construir com 1 bilhão de dólares, sem dinheiro nenhum, usando mágica e com tecnologias futurísticas. Apesar de algumas ideias parecem impossíveis de serem implementadas, ao longo do processo fica fácil tangibilizá-las e é aí que surgem várias soluções inovadoras.

De todas essas ideias, votamos nas melhores e discutimos sobre cada uma delas, levando em conta pontos como viabilidade técnica, recursos disponíveis, relevância para o negócio e como essas ideias se conversavam, assim, começamos a aprofundar a solução.

Proposta de valor da solução
Definindo a solução

Acesse o processo de ideação completo no Miro🡭.

Benchmarking

Decidimos analisar nossos concorrentes apenas após termos uma ideia mais concreta da solução, de modo a não induzir nossa solução, mantendo a inovação, mas ainda tentando aumentar nossa vantagem competitiva. Com isso, mapeamos 5 concorrentes, Vittude, Zenklub, CVV, 7 cups e Fepo, analisamos cada um deles e criamos uma tabela comparativa entre eles.

Tabela comparativa entre os concorrentes

Após a análise e a comparação, chegamos nas seguintes conclusões:

  • Atendimento emergencial personalizado e os ouvintes voluntários são diferenciais competitivos que não existem em plataformas de psicologia online no no Brasil (7cups é estrangeiro);
  • Ainda há espaço para desenvolver uma triagem inicial que entenda melhor o paciente de acordo com seu relato, não com autodiagnostico - nossa solução começa a fazer isso com a triagem de sentimentos e a inteligência artificial de match, cujo algoritmo aprende com os matchs feitos e melhora ele com o tempo;
  • Podemos trabalhar com planos para empresas e atingir esse mercado;
  • Aproveitamos a ideia do 7cups de direcionar algumas trilhas de conteúdo focadas em complementar o tratamento psicológico com etapas individuais.

Prototipação da solução

Um dos desenhos da plataforma usando a ferramenta dos Crazy Eights

Antes de começar a fazer os desenhos no papel como na foto acima, discutimos qual tecnologia usaríamos para a solução, dado que “to fortalecer a saúde mental dos brasileiros” nós queremos dizer todos eles — portanto, nós temos a necessidade de sermos inclusivos. Aplicações mobile têm, na nossa opinião, uma experiência mais imersiva, entretanto, eles necessitam de um espaço livre de memória que smartphones simples e antigos não tem.

Então nós optamos pelo melhor dos dois mundos: o PWA (Progressive Web App), no qual podemos trazer a experiência imersiva, sem a necessidade de fazer download e também acessível pelo computador. Ele também vai nos ajudar no desenvolvimento da solução, necessitando de menos esforço, porque precisaríamos de menos desenvolvedores para as diferentes plataformas e também um código mais simples baseado em HTML, CSS e Javascript com acesso à funções nativas.

Crazy Eights

Dito isso, utilizando o conceito de mobile first, desenhamos as telas do aplicativo usando os Crazy Eights. Foi um momento de surgir várias formas de desenhar as mesmas soluções, sempre tendo as personas e suas jornadas em mente.

Desenho das telas do aplicativo utilizando os Crazy Eights

Fluxo das telas

Para consolidar nossas ideias antes de seguirmos para a baixa fidelidade, desenhamos o fluxo de telas do aplicativo usando post-its no figma.

Fluxo das telas

Protótipo de baixa fidelidade

Com as ideias de telas desenhadas, o fluxo em mãos, personas e jornadas definidas, destacamos os pontos necessários para a construção da experiência da plataforma, de modo a embasar todas as decisões de design.

Definimos a arquitetura da informação e o posicionamento dos elementos do aplicativo em um protótipo de baixa fidelidade:

Telas de baixa fidelidade

Navegue no protótipo de baixa fidelidade completo🡭.

Teste de usabilidade

O protótipo de baixa fidelidade foi testado com 5 usuários com as seguintes tarefas:

  • Encontrar um psicólogo
  • Iniciar uma sessão de atendimento virtual
  • Acionar um atendimento emergencial

Relatório dos testes

Alerta: spoilers dos protótipos de alta fidelidade!

1. Fazer o match antes de se cadastrar.
Para ter uma barreira a menos antes que o usuário possa ver o valor que a plataforma entrega e diminuir a taxa de desistência. Assim, a próxima etapa depois do onboarding passou a ser o match, não o cadastro.

Comparação da última tela do onboarding antes de depois dos testes

2. O botão de match não foi encontrado.
100% dos usuários não identificaram a lupa como botão de ação, então tivemos que redesenhá-lo.

Comparação das telas de match antes e depois dos testes

3. Dificuldades em responder o questionário.
O que se deu principalmente por se tratarem serem sentimentos, emoções e sintomas físicos que geralmente vêm em diferentes intensidades, então colocamos eles em uma escala numérica.

Comparação das telas do questionário antes e depois dos testes

4. Atendimento virtual não encontrado.
Usuários tiveram dificuldade em encontrar o acesso para atendimento virtual, então criamos um botão “acessar” no card do psicólogo e também o menu “atendimentos”.

Comparação da home antes e depois dos testes

Teste de Escrita

Nos testes, também percebemos que os usuários passavam rápido pelas telas explicativas do onboarding sem ler. Então, usando a ferramenta VisualEyes, analisamos a leiturabilidade e a atenção do usuário nessas telas. Como resultado, reescrevemos e diminuímos os textos e adicionamos um botão “pular” no fim da tela, criando uma experiência mais fácil de ler e se entender mais, mas também menos cansativa para os usuários apressados.

Imagem de uma das telas de onboarding após reformulação

Branding

Naming

O processo de naming foi baseado por duas vertentes:
1. Saúde mental (seguimento)
2. Afinidade entre o psicólogo e o paciente (proposta de valor)

A partir delas, um desdobramento foi feito por um brainstorm, onde outras opções mais criativas surgiram.

Processo de naming a partir das vertentes principais

Do grego sophía, significa sabedoria e transmite a ideia de autoconhecimento.

Acreditamos que Sophia transmite maior empatia, abertura e humanidade para com o usuário por possuir um nome personificado.

“Sophia guiará você na busca do melhor profissional para superar seus conflitos e crises, ajudando a fortalecer sua saúde mental e proporcionar autoconhecimento, além de estar sempre presente na alegria e na tristeza.”

Logo

Formação do logo

Cores

Laranja mistura emoções ativas e revigorante, que procuram suscitar sentimentos de vitalidade e felicidade.
Associações: energia, entusiasmo, prosperidade, cordialidade, mudança.

Roxo transmite tranquilidade e ajuda na criatividade, demonstrando sofisticação.
Associações: espiritualidade, autenticidade, veracidade, qualidade, introspecção.

Guia de Estilos

Cores: com elas praticamente definidas, escolhemos algumas variações para podermos aplicar no protótipo e outras complementares.

Cores do guia de estilos

Tipografia: optamos por duas fontes diferentes para títulos e texto, ambas sem serifa, trazendo consigo uma sensação de modernidade - principal razão pela qual escolhemos a DIN Next Rounded LT Pro, que fortifica a mensagem com formas mais arredondadas. Já a Source Sans Pro, para o texto, possui ótima legibilidade, além de ser uma fonte muito utilizada na web, o que agiliza o carregamento da página.

Tipografia do guia de estilos

Botões e formulários: escolhemos formas um pouco arredondadas, mas nem tanto, estando em um meio do caminho entre leveza e seriedade.

Botões e formulários do guia de estilos

Protótipo de alta fidelidade

Por fim, com base no protótipo de baixa fidelidade, nos testes de usabilidade e no guia de estilos, construímos o protótipo de alta fidelidade usando o Adobe XD.

Confira o protótipo navegável completo🡭.

Telas de alta fidelidade

Próximos passos

Levantamos alguns pontos importantes para serem desenvolvidos depois do MVP estar rodando (mínimo produto viável). São eles:

  • Inteligência artificial que converse e aconselhe os pacientes
  • Clínicas presenciais em grandes metrópoles para os nossos psicólogos usarem (eliminando a necessidade e os gastos com um local físico por parte deles)

Além disso, o projeto ainda tem bastante espaço para aprimoramento, já que sabemos que o desenvolvimento de um produto nunca termina.

Os usuários mudam com o tempo, assim como deve acontecer com o produto.

Considerações finais

Agradecemos ao nossos mentores Leandro Rezende e Rafael Frota, do UX Unicórnio, por todo aprendizado que tivemos nessa caminhada.

E você? O que achou desse projeto? Nos conte nos comentários ;)

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João Vitor Fatoretto

UI/UX Designer, programador e empreendedor em início de carreira.